Monday, October 10, 2005

Religião é a cocaína do povo.

Religião é a cocaína do povo
(desconheço a autoria)

Vivi parte de minha adolescência nas décadas de sessenta e setenta.
Naqueles anos, os Beatles e os Rolling Stones reinavam na música.
Discutia-se o existencialismo de Sartre nos barzinhos de Ipanema. As
mulheres se libertavam lendo Simone de Beauvoir. Che Guevara
inspirava os ideais revolucionários dos latino-americanos. As drogas
se tornaram uma obsessão mundial. Muitos jovens caminhavam pelas
trilhas que começavam em Amsterdã, seguiam pelo Afeganistão e
chegavam à Índia em busca de haxixe. A maconha deixou de ser
consumida no submundo da marginalidade e dominou as universidades das
Américas. Tomavam-se doses mínimas de LSD para viajar por horas no
mundo alucinógeno. Os picos de heroína nas veias abreviavam a vida de
milhares.

Os tempos mudaram. A rebeldia dos jovens aquietou-se, os heróis
comunistas ruíram, o consumismo substituiu as antigas aspirações
revolucionárias e a "techno music" substituiu o rock. Aquelas drogas
que entorpeciam e deixavam seus usuários num estado zen, foram
suplantadas por outras que ativam, energizam e potencializam.
Substituíram-se os tóxicos que causavam torpor por outros que davam
uma sensação de poder e de autonomia. Assim, hoje quase não se fala
mais em heroína ou LSD. As drogas da moda são a cocaína e sua versão
mais barata, o crack. E cresce a busca pelas sintéticas, como o
ecstasy, que prometem um melhor desempenho, inclusive sexual.

A religião também mudou muito. Naqueles anos, predominava entre os
jovens o conceito que a religião servia os interesses das elites,
pacificando os oprimidos. Os debates reforçavam o pensamento de Karl
Marx que em 1844 afirmou: "O sofrimento religioso é, a um único e
mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o
sofrimento real". Marx acreditava que "a religião é o único suspiro
da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de
condições desalmadas". Meus contemporâneos repetiram sua
conclusão: "A religião é o ópio do povo".

Marx não afirmava que a religião é um narcótico qualquer. Ele a
identificava com um entorpecente poderosíssimo de seus dias: o ópio.
As condições sociais perversas da Europa no século XIX condenavam os
trabalhadores a pouco mais que escravos. Marx entendia que as mesmas
condições também produziram uma religião que prometia um mundo melhor
só para a próxima vida. Assim, tanto ele como seus seguidores
difundiram que a religião não é apenas uma ilusão, mas cumpre a
função social: de distrair os oprimidos. Por isso, afirmava que a
religião é um narcótico que não apenas alivia a dor do trabalhador,
como lhe embriaga, roubando o seu poder de transformar sua realidade.
Para ele, a esperança religiosa era um ópio que prometia felicidade
no porvir, adiando o furor revolucionário. O pior é que ele tinha
razão em suas análises. A igreja de seus dias realmente estava
decadente e, aliada à aristocracia, desempenhava exatamente esse
papel anestesiante.

Porém, com a pós-modernidade, a religião já não cumpre essa tarefa
entorpecente. No ocidente, a proposta religiosa vem crescentemente se
tornando mais parecida com um outro tóxico: a cocaína. O neo-
liberalismo, pai deste materialismo consumista tão bem representado
no fascínio pelos shoppings e pelas grifes, já entorpece como o ópio.
Por outro lado, a religião de hoje procura excitar e produzir
sensações de poder parecidas com a da cocaína.

As igrejas neopentecostais se multiplicam prometendo que as pessoas
têm o direito de ser felizes aqui e agora. Repetem exaustivamente que
ninguém precisa transferir para a eternidade o que pode ser
reivindicado já. Insistem na promessa feita a Israel de que o fiel
é "cabeça e não cauda". E assim o crente que freqüenta os cultos da
prosperidade, recebe semanalmente uma injeção de cocaína espiritual
no sangue, fazendo que se sinta o dono do mundo. Nem que seja por
apenas alguns minutos de culto, sonha com tudo o que os seus olhos
gulosos viram as empresas de marketing anunciar na televisão.

As igrejas se transformam em ilhas da fantasia capitalista.
Empresários falidos, artistas em fim de carreira, jogadores de
futebol mal-sucedidos, empregados sem qualificação, correm para as
infindáveis campanhas em busca de reverter a pretensa "maldição" que
paira sobre suas vidas. E, depois de espoliados, são devolvidos à
dura realidade da vida, obrigados a encarar a rebordosa da segunda-
feira. Dependurados nos trens suburbanos ou numa fila burocrática
sofrem triste e deprimidos como os foliões do carnaval que voltam
para seu destino na madrugada da quarta-feira de cinza. Enfrentam
sozinhos a dura realidade de que não são reis ou rainhas, apenas sub-
empregados; obrigados a viverem com um salário miserável.

A própria definição do que é fé vem sofrendo enormes mudanças.
Antigamente entendia-se fé como uma adesão a um conceito teológico ou
mesmo como uma habilidade sensitiva de perceber o mundo espiritual.
Pessoas de fé discerniam as ações de Deus e do mundo espiritual com
maior acuidade. Eram pessoas que confiavam no caráter de Deus, mesmo
sem evidências que comprovassem sua palavra. Hoje se entende fé como
uma mera capacidade de instrumentalizar os poderes de Deus
egoisticamente. Por isso, fé e cocaína se parecem muito; dão uma
falsa sensação de poder e geram pessoas artificialmente soberbas. Mas
a ressaca tanto da cocaína como da fé pós-moderna é horrível, pois
vem sempre acompanhada de depressão e desengano.

O tóxico religioso de hoje é sempre estimulante. Por isso os novos
mercadejadores da fé precisaram redefinir, inclusive, a pessoa de
Deus. A divindade pós-moderna só existe para servir os caprichos das
pessoas. Os cultos se transformaram em centros de aperfeiçoamento e
aprimoramento humano. As igrejas deixaram de ser espaços para se
cultuar a divindade, especializaram-se em ensinar como manipular
Deus. As liturgias espiritualizam as técnicas mais populares de
como "liberar o poder de Deus", "afastar encostos", "tomar posse dos
direitos", "conquistar gigantes". As pessoas se aproximam de Deus
cheias de direitos, vontades, acreditando que são o centro do
universo e que tudo e todos lhes devem obrigações. Perde-se o estado
de "maravilhamento", reverência e submissão ao Eterno.

Assim o propósito de toda atividade religiosa é homocêntrica, nunca
teocêntrica. As igrejas acabam se transformando em balcões de
serviços religiosos e a relação do pastor com os fiéis é a mesma do
empresário com o cliente. Redobram-se os esforços de oferecer uma
maior gama de atividades que agradem os clientes que se tornaram
ferozes consumidores religiosos e com um nível de exigência tremenda.

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