Monday, January 16, 2006

A vida íntima do Opus Dei

A vida íntima do Opus Dei

Travam uma guerra contra a poderosa prelazia do papa e revelam segredos até
então bem guardados pela poderosa Opus Dei (Obra de Deus), fundada pelo
espanhol Josemaria Escrivá, em 1928

Quando era do Opus Dei, Antonio Carlos Brolezzi foi obrigado a usar um
macacão antimasturbação. O equipamento se destinava a combater a ‘doença’
que seu confessor diagnosticou como ‘erotismo mental’. Tratava-se de uma
calça jeans e uma camisa de flanela costuradas uma na outra e vestidas de
trás para a frente com o objetivo de impedir o jovem de 20 anos de alcançar
a parte mais íntima de sua anatomia. Brolezzi, hoje um bem casado professor
do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, tem
se dedicado a narrar em tom confessional as lembranças sexuais de uma década
dentro da poderosa prelazia do papa. Pela primeira vez no Brasil,
dissidentes retiram o manto de silêncio que envolve a ‘Obra de Deus’ (em
latim, Opus Dei)e dedicam-se hoje a exibi-la em praça pública - alguns deles
com uma sanha digna daquelas ex-mulheres que, na recente crônica política do
país, enlamearam a imagem de figurões da República. Nada podia ser pior para
uma instituição que usa a discrição como estratégia. A vida íntima do Opus
Dei está sendo devassada. Dividido em duas partes - ‘Memórias sexuais de um
Numerário’ e ‘Manual do Ex-Numerário Virgem’ -, o livro de Brolezzi deverá
ser o próximo míssil editorial lançado contra a ultraconservadora
organização católica.
Os ‘numerários’ a que se refere o livro são a espinha dorsal da Obra: os
leigos celibatários que vivem nos centros da instituição e cumprem um ritual
diário de rezas e mortificações. Já os supernumerários podem casar, ter
filhos e patrimônio próprio. Na Espanha, onde o movimento foi fundado em
1928, já existe uma espinhosa bibliografia com relatos de ex-membros. No
Brasil, porém, onde o Opus Dei só aportou no fim dos anos 50, a organização
havia conseguido manter seus adeptos e suas práticas em segredo, obediente
ao figurino pregado pelo fundador, Josemaría Escrivá de Balaguer
(1902-1975). Em Caminho, o guia do Opus Dei, Escrivá enfatiza: ‘O desprezo e
a perseguição são benditas provas de predileção divina, mas não há prova e
sinal de predileção mais belo do que este: passar oculto’. Agora esse ideal
tornou-se inalcançável também no maior país católico do mundo.

Enredo de O Código Da Vinci pôs Obra sob incômodos holofotes

A declaração de guerra, no fim de outubro, foi o lançamento do livro Opus
Dei - Os Bastidores (Verus Editora), escrito por três dissidentes da Obra.
Um deles, Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação da USP, havia
vivido 35 anos como numerário. Lauand era uma das figuras mais populares da
ordem até abandoná-la, há dois anos. Conhece como poucos sua atuação no
Brasil. Ao deixá-la, tornou-se uma pedra no meio do caminho da obra de
Escrivá.
O segundo ataque foi lançado pela mãe de um numerário, Elizabeth
Silberstein. Usando o apelo de uma mãe em luta para resgatar o filho das
‘garras da seita’, ela escreveu e lançou em dezembro o livro Opus Dei - A
Falsa Obra de Deus - Alerta às Famílias Católicas. A publicação, bancada por
ela, copia a estrutura de um manual para pais que tiveram seus filhos
seqüestrados pelas drogas. Ao Opus Dei é reservado o papel de traficante. O
quinto capítulo, por exemplo, é intitulado ‘Alerta: meu filho foi captado
por eles! O que posso fazer?’.
As denúncias poderiam ser apenas uma daquelas constrangedoras brigas de
família se o Opus Dei não fosse a única prelazia pessoal do papa - e a
Igreja Católica a mais poderosa instituição religiosa do Ocidente. Desde o
lançamento em 2003 do best-seller de Dan Brown O Código Da Vinci (mais de 40
milhões de exemplares vendidos), a Obra vive sob incômodos holofotes. No
enredo, a organização é capaz de cometer assassinatos para impedir a
revelação de verdades indesejáveis sobre Jesus. O fato de ser uma história
de ficção não impediu arranhões profundos na imagem do Opus Dei. Para
piorar, o filme baseado no livro estreará em maio, com Tom Hanks no papel
principal e vocação de blockbuster. O momento, portanto, é propício para os
membros da prelazia evocarem o ensinamento do fundador: ‘Não pretendas que
te compreendam. Essa incompreensão é providencial: para que o teu sacrifício
passe despercebido’.

Reação dissidente começou via internet

No Brasil, a reação dos dissidentes organizou-se a partir da criação de um
site na internet, o www.opuslivre.org - quartel-general virtual em que
ex-adeptos trocam confidências e dicas de ‘sobrevivência’. Antonio Carlos
Brolezzi conta que quando recebeu o primeiro e-mail do site teve uma
tremedeira. ‘Tive pesadelos e disse que não queria mais receber aquele tipo
de correspondência’, conta. ‘Responderam-me que tudo bem, mas que havia
chegado a hora de botar a boca no trombone e exorcizar os fantasmas. Antes,
quem saía da Obra ficava isolado. Com a internet as pessoas passaram a
conversar. Parei de tremer e decidi escrever o livro.’
Numerários influentes, como o jornalista Carlos Alberto Di Franco, enfrentam
o fenômeno com o estoicismo pregado por Escrivá. ‘A campanha difamatória é
dolorosa, mas ao mesmo tempo será boa para a Obra no Brasil porque é o sinal
da cruz de Cristo’, afirma Di Franco. ‘A contradição, a calúnia e a
difamação sempre tiveram um papel na história da Igreja. Não há cristianismo
sem cruz.’
Dom Geraldo Majella Agnelo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, disse a ÉPOCA que, se algum membro da prelazia procurar a CNBB com
denúncias de violação de direitos humanos, ele encaminhará o assunto à Santa
Sé. ‘Como instituição, o Opus Dei foi aprovado. Mas, se há erros, aí é
diferente. Eles devem ser apontados e comprovados para ser julgados por
autoridades competentes.’ O escritório de informação do Opus Dei no Brasil,
em resposta por escrito, afirma que a Obra já havia passado pela experiência
de ser criticada por ex-membros em outros países.

João Paulo II deu status de “prelazia pessoal”

Erra quem vê o Opus Dei como um entre tantos movimentos católicos
conservadores, como Arautos do Evangelho, TFP e Focolare. Desde que João
Paulo II a ungiu com o status de prelazia pessoal, em 1982, a Obra tornou-se
oficialmente corpo e sangue da Igreja. Prevista pelo Concílio Vaticano II
(1962-1965) e incorporada pelo Código de Direito Canônico, essa nova figura
jurídica garantiu ao Opus Dei um duplo privilégio. Por um lado, espalha-se
pelo mundo sob o escudo da tradição milenar da Igreja de Roma. Por outro, é
independente dos bispos e dioceses. A Obra só obedece ao prelado, cargo
vitalício hoje ocupado por dom Javier Echevarría. E ele só presta contas ao
papa.
Dentro do Vaticano, o Opus Dei incomoda os cardeais mais progressistas, que
assistiram alarmados às demonstrações de entusiasmo de João Paulo II. A
canonização do fundador da Obra aconteceu em tempo recorde para os padrões
da Igreja, apenas 27 anos após sua morte. Bem diferente, por exemplo, do
caso de José de Anchieta, cuja patente de santo é uma causa antiga dos
brasileiros: o jesuíta morreu em 1597, mas só se tornou beato em 1980 e não
há estimativa de quando possa virar santo. Antes da canonização, Escrivá era
uma figura controversa. Jesuítas espanhóis o acusavam de criar uma
‘maçonaria dentro da igreja’ e até de promover ‘uma nova heresia’.
Bento XVI é mais sóbrio na exposição de seus afetos que seu antecessor, mas
a obediência dos membros do Opus faz da instituição um aliado valioso em um
mundo onde a maioria dos fiéis prefere escolher as próprias opiniões.
‘Obedecei, como nas mãos do artista obedece um instrumento - que não se
detém a considerar por que faz isto ou aquilo - certo de que nunca vos
mandarão coisa que não seja boa e para toda a Glória de Deus’, aconselha
Escrivá.

Patrimônio da seita estimado em US$ 2,8 bi

Em Opus Dei - Um Olhar Objetivo para Além dos Mitos e da Realidade da Mais
Controversa Força da Igreja Católica, o jornalista especializado em Vaticano
John Allen Jr. compara a Obra a uma Guiness Extra Stout. Como a tradicional
cerveja irlandesa, em um mercado repleto de produtos diet, light e até sem
álcool, o Opus Dei é um reduto de tradição em meio a um catolicismo que,
desde o Concílio Vaticano II, tomou vários atalhos em sua vivência
cotidiana. Quem pertence ao Opus Dei não tem dúvidas nem relativismos numa
sociedade povoada por ambos: pensa com a Igreja e vive como o papa manda. ‘A
Igreja Católica não é uma democracia’, diz a numerária Maria Lúcia Alckmin.
Para membros da Obra, parte significativa dos católicos não passa de
‘católicos de censo’ - que servem para expandir as estatísticas, mas seguem
apenas as crenças pessoais. Com apenas 85 mil seguidores - 1.700 no
Brasil -, o Opus Dei é irrelevante do ponto de vista quantitativo. Mas seus
admiradores são estimados na casa dos milhões. Em 1950, num lance ousado,
Escrivá conseguiu inédita autorização do Vaticano para aceitar cooperadores
(leia-se financiadores) não-católicos e não-cristãos. Assim, a Obra tem
apoiadores espalhados pelo mundo das mais variadas doutrinas - inclusive
aqueles que nem sequer acreditam na existência de Deus. Além de aumentar o
poder de penetração do movimento nas diversas instâncias da sociedade, os
cooperadores representam uma boa fonte de recursos. O vaticanista Allen
estima o patrimônio da organização em US$ 2,8 bilhões.

Ligações poderosas

Carlos Alberto Di Franco dá formação cristã ao governador Geraldo Alckmin e
treinou mais de 200 editores da imprensa
Carlos Alberto Di Franco, 60 anos, é um dos numerários mais influentes e bem
relacionados do Opus Dei. Representante no Brasil da Escola de Comunicação
da Universidade de Navarra e diretor do Master em Jornalismo, um programa de
capacitação de editores que já formou mais de 200 cargos de chefias dos
principais jornais do País, é citado no livro Opus Dei - Os Bastidores como
o executor da política da Obra para a mídia do Brasil e na América Latina.
Nos últimos anos, tem feito periodicamente uma preleção sobre valores
cristãos na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes a convite do
governador Geraldo Alckmin (confira matéria na página xx). O encontro,
apelidado de ‘Palestra do Morumbi’, reúne um seleto grupo de empresários e
profissionais do Direito, entre eles o vice-presidente da Fiesp, João
Guilherme Ometo. Na sede do Master, em São Paulo, em cujos andares
superiores funciona o centro da Obra onde vive, Di Franco deu a seguinte
entrevista a Época.

ÉPOCA - A partir do final dos anos 80 a Universidade de Navarra, que é do
Opus Dei, passou a dar cursos nas redações brasileiras. Como surgiu essa
estratégia?
Carlos Alberto Di Franco - Vários professores de lá participaram de um
seminário no Rio e chamaram atenção pela sua visão de Jornalismo. Esse foi o
início de um trabalho não de universidade, mas de consultoria de alguns
profissionais que também são professores em Navarra.

ÉPOCA - O Master em Jornalismo é uma estratégia do Opus Dei para influenciar
a imprensa brasileira e da América latina?
Di Franco - Absolutamente nada a ver. É um trabalho profissional meu. A
única coincidência é que Carlos Alberto Di Franco é do Opus Dei. A imprensa
tem suficiente discernimento e filtros próprios para se deixar submeter a
qualquer coisa deste tipo.

ÉPOCA - O senhor é numerário do Opus Dei, é representante da Escola de
Comunicação da Universidade de Navarra, que é do Opus Dei, o Master traz
professores de Navarra que também são numerários, mas o senhor afirma que
não há nenhuma estratégia do Opus Dei em influenciar a imprensa através de
um curso de formação de editores?
Di Franco - Muitos professores de Navarra que vêm não são do Opus Dei. O
Master é um programa técnico de capacitação de editores e não de Religião. O
Master tem uma identidade cristã? Claro. Quando eu abro o Master, a primeira
coisa que eu faço é dizer que o centro conta com serviço de capelania
entregue à prelazia do Opus Dei. Isso implica numa série de serviços de
atendimento espiritual para quem queira recebê-los.

ÉPOCA - O senhor publicou um artigo no jornal O Estado de S.Paulo criticando
o Código da Vinci, um livro de ficção que mostra o Opus Dei como uma seita
capaz de assassinar para alcançar seus objetivos. O senhor assina como
jornalista e professor de ética. O senhor não acha que deveria ter informado
ao leitor que é um numerário?
Di Franco - Não, porque não acrescenta nada. Na mídia todo mundo sabe.

ÉPOCA - O senhor acredita que todos os leitores do jornal sabem?
Di Franco - Todos os leitores não, mas eu não sei o que ser membro do Opus
Dei acrescenta ao meu currículo. O que eu fiz foi uma análise do Dan Brown
mostrando a sua desonestidade intelectual que qualquer jornalista poderia
fazer, budista ou ateu.

ÉPOCA - Poderia. Mas o senhor não acha que a informação de que quem
criticava um livro contra o Opus Dei era alguém do Opus Dei teria sido
relevante para o leitor?
Di Franco - Eu fiz uma crítica técnica e não movida por razões religiosas.

ÉPOCA - Como começaram as ‘palestras do Morumbi’, que acontecem na última
quarta-feira do mês, no Palácio, com o governador Geraldo Alckmin e um grupo
de empresários e profissionais do Direito?
Di Franco - Não é uma reunião regular, depende das agendas. O governador é
cristão, muito católico. Nesta reunião tratamos temas relacionados a
práticas ou virtudes cristãs.

ÉPOCA - De quem partiu essa idéia?
Di Franco - Nasceu de uma conversa do governador com um sacerdote da Obra
com quem ele tem direção espiritual periódica.

ÉPOCA - O Padre (José) Teixeira, confessor do governador?
Di Franco - Isso, o Padre Teixeira. Aí eu e o governador conversamos sobre a
melhor maneira de fazer e sobre quem participaria. O grupo é formado por
amigos comuns, todos católicos. Eu sou o palestrante. Uma coisa rápida,
meia-hora, um cafezinho. A última foi em agosto ou setembro. Depois teríamos
outra, mas eu não pude. Agora ele entrou em campanha. Acredito que no final
de janeiro combinaremos a próxima.

ÉPOCA - Essas palestras são pagas?
Di Franco - Não é um trabalho profissional, é uma atividade de formação
cristã.

ÉPOCA - O senhor não acha que a proibição de ir ao cinema, teatro ou estádio
de futebol conflitua com seu trabalho de jornalista?
Di Franco - Para mim nunca foi problema. Não é que não pode, a expressão
está mal colocada. Não vai ao cinema porque não quer ir ao cinema. Os
numerários vivem, voluntariamente, uma série de abstenções em função de sua
entrega como numerários.

ÉPOCA - Como o senhor faz com o cilício?
Di Franco - O cilício é uma mortificação corporal ultratradicional na
Igreja. Se você falar com qualquer pessoa que viva o cristianismo é a coisa
mais corriqueira e comum.

ÉPOCA - O senhor usa, duas horas por dia?
Di Franco - Sim, como qualquer numerário.

ÉPOCA - Quando o senhor está com o cilício se concentra no sofrimento de
Cristo?
Di Franco - Essa pequena mortificação você oferece por várias intenções. A
partir de hoje vou oferecer para você.

ÉPOCA - Não é necessário.
Di Franco - Como colega. O incômodo se oferece.

ÉPOCA - É muito difícil o celibato?
Di Franco - Qualquer pessoa tem desejo, é normal. Eu sinto atração pelas
mulheres, claro que sinto, sobretudo pelas bonitas.

ÉPOCA - O senhor é virgem?
Di Franco - Você está entrando em território perigoso. Mas sou, se quer
saber sou.

Eliane Brum e Débora Rubin - Revista ÉPOCA

cilício
[Do gr. kilíkion, pelo lat. ciliciu.]
Substantivo masculino
1.Pequena túnica ou cinto ou cordão, de crina, de lã áspera, às vezes com
farpas de madeira, que, por penitência, se trazia vestido diretamente sobre
a pele.
2.Sacrifício voluntário.
3.Martírio a que alguém se submete com resignação.
4.Fig. Tortura, tormento, aflição. [Cf. cilicio, do v. ciliciar e silício.]

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