Wednesday, February 08, 2006

O Código da Vinci

The New York Times

07/02/2006

Lançamento de "O Código da Vinci" nos cinemas provoca angústia na Opus Dei

Organização conservadora teme ter sua imagem ainda mais afetada

Laurie Goodstein
Em Nova York

Quando "O Código da Vinci" se tornou um sucesso editorial, os líderes da organização
católica Opus Dei perceberam que tinham nas mãos um problema de imagem. O assassino
no best-seller de suspense é um monge albino da Opus Dei chamado Silas, e o grupo é
retratado como uma seita poderosa, mas cercada de sigilo, cujos membros praticam a
autotortura ritualística. Em um prefácio intitulado "O Fato", Dan Brown disse que o
livro era mais do que mera ficção.

Quando foram revelados os planos para o lançamento de um filme baseado no livro, os
líderes da Opus Dei tentaram persuadir a Sony Pictures a retirar qualquer menção ao
grupo, e enviaram uma carta ao estúdio no ano passado, afirmando que o livro é "uma
distorção grosseira e uma grave injustiça".

Os esforços da organização não deram em nada.

Com a estréia do filme, cujo astro é Tom Hanks, marcada para 19 de maio, a Opus Dei
está tentando saciar o interesse público e apresentar o grupo de uma forma bem
diferente daquela como é descrita no livro: o lar religioso de um assassino
ficcional.

O grupo está promovendo um blog por meio de um padre da Opus Dei em Roma,
reformulando o seu site e até promovendo entrevistas com um membro que seria o único
"Silas real" na Opus Dei --um corretor nigeriano de fundos públicos que mora no
Brooklyn.

Silas Agbim, o corretor, diz que a Opus Dei ensina os seus membros a se comportarem
segundo os mais altos padrões. "Se você fizer bem o seu trabalho, estará agradando a
Deus", afirma Agbim, que é um pai, de cabelos grisalhos, de três filhos adultos,
sendo casado com uma professora de biblioteconomia. "E se alguém pensa que se tornará
santificado se recitar dez rosários por dia e fizer o seu trabalho de forma
descuidada, está completamente equivocado". Agbim diz que leu o livro, e garante: "É
um veneno. Ele influencia aquelas pessoas que têm dúvidas na mente".

Mesmo assim, o filme "O Código da Vinci" com certeza reavivará um antigo debate entre
os católicos sobre se a Opus Dei se constitui em uma influência positiva ou negativa
para a Igreja. Os críticos dizem que embora o grupo seja relativamente pequeno,
alguns dos seus membros ocupam postos importantes no Vaticano --incluindo o de
porta-voz do papa.

As dúvidas quanto a um possível aumento desproporcional da influência da Opus Dei
cresceram quando o papa João Paulo 2º conferiu ao grupo um status único na Igreja em
1982, e quando dez anos depois inseriu o seu fundador em uma rota rápida rumo à
canonização.

A reputação de sigilo da Opus Dei surgiu em parte devido à tradição do grupo, segundo
a qual os membros não podem divulgar publicamente a sua afiliação. Perguntas como,
"Ele é ou não da Opus Dei?", costumam ser feitas com relação a figuras proeminentes,
especialmente em Washington.

Uma controvérsia estourou no ano passado na Inglaterra quando foi divulgado que Ruth
Kelly, a jovem nova secretária de Educação no liberal Partido Trabalhista, era
afiliada à Opus Dei. Ela não repeliu a informação, mas nunca esclareceu qual é a
natureza da sua ligação com o grupo, o que gerou ainda mais críticas. Robert P.
Hanssen, um agente do FBI que se declarou culpado ao ser acusado, em 2001, de ter
espionado para a União Soviética, confirmou ser um membro, e admitiu ter confessado
os seus crimes aos seus padres.

Os líderes da Opus Dei dizem que não são nem secretos, nem particularmente poderosos,
e tampouco ferrenhamente conservadores. Eles afirmam que o grupo é uma rede
descentralizada composta de 84.541 católicos leigos e 1.875 padres em todo o mundo,
números relativamente pequenos em uma Igreja de mais de 1,1 bilhão de fiéis.

Eles garantem que não aspiram controlar o Vaticano, e acreditam que a sua missão é
viver em devoção a Deus, ao realizar bem os seus trabalhos, seja de porteiro, de
senador ou de dona-de-casa. Opus Dei é o termo em latim para "o trabalho de Deus".

Lynn Frank, uma integrante da Opus Dei em Walden, no Estado de Nova York, mãe de sete
filhos e dona de uma empresa de alimentos naturais, afirma: "A determinação que tenho
vem, sem dúvida alguma, da minha vocação junto à Opus Dei, porque todos os dias na
Opus Dei você acorda e diz, 'Estou dando 100% do meu dia para você, Senhor'. E é
melhor trabalhar direito, porque Deus não é um tipo de patrão para se enganar".

Desde a sua fundação em 1928 por um padre espanhol, Josemaria Escriva, o grupo caiu
nas graças de vários papas, especialmente João Paulo 2º, cuja ênfase teológica na
santidade, na importância da família e da dignidade do trabalho se coadunaram bem com
as crenças de Escriva. Em 1982, João Paulo concedeu à Opus Dei o status de uma
"prelatura pessoal", e ela continua sendo a única do gênero na Igreja, o que
significa que o grupo conta com o seu próprio bispo, que responde diretamente ao
papa. Depois, em 1992, Escriva passou à frente de outros candidatos a santo e foi
beatificado apenas 17 anos após a sua morte. Ele foi canonizado em 2002.

Joaquin Navarro-Valls, o antigo porta-voz de João Paulo 2º, e agora do papa Bento 16,
é membro da Opus Dei, e foi um dos autores de um polêmico documento do Vaticano
divulgado em 2000, o "Dominus Iesus", sobre a primazia do cristianismo. Quando o papa
quis sanear uma diocese austríaca na qual foi encontrada material pornográfico em um
computador do seminário, ele designou um novo bispo da Opus Dei para a missão.

Um outro fator que alimenta a impressão de influência do grupo é a sede da Opus Dei
nos Estados Unidos, um edifício de 17 andares na esquina da Avenida Lexington com a
Rua 34, no qual o grupo investiu US$ 69 milhões para a compra do terreno, a
realização das obras de construção civil e a aquisição do mobiliário.

A menção do local no livro "O Código da Vinci" trouxe uma enxurrada de curiosos e
adeptos das teorias conspiratórias até as portas do edifício, explica o porteiro,
Robert A. Boone. "Eu lhes digo: 'Vocês acham que eu trabalharia aqui se existissem
tipos como Silas circulando pela área?'".

Alguns membros da Opus Dei ficaram furiosos com a forma como o livro, que é um
best-seller há três anos, apresentou não só o grupo, mas também o cristianismo.

Mas os líderes da Opus Dei estão adotando uma abordagem menos confrontadora. O líder
da Opus Dei nos Estados Unidos, reverendo Thomas G. Bohlin, disse: "Não queremos que
a controvérsia gere mais publicidade para o filme". Bohlin enviou a carta à Sony
Pictures pedindo que não se fizessem menções à Opus Dei na fita, e disse que recebeu
uma resposta "educada, mas descomprometida".

Jim Kennedy, porta-voz da Sony Pictures, disse: "Nós vemos 'O Código da Vinci' como
um trabalho de ficção, que não tem como objetivo prejudicar qualquer organização. No
seu cerne, o filme é um suspense, e concordamos que ele realmente proporciona uma
oportunidade única para que a Opus Dei e outras organizações permitam que a população
aprenda mais sobre os seus trabalhos e suas crenças".

Após pesquisar a Opus Dei para escrever um livro, John L. Allen, o correspondente no
Vaticano da revista "The National Catholic Reporter", concluiu que o poder e a
riqueza do grupo foram grandemente exagerados. O número de membros da Opus Dei em
todo o mundo é mais ou menos equivalente ao de católicos na Diocese de Hobart, na
ilha da Tasmânia, explica Allen.

A Opus Dei não conta com um registro financeiro central, mas utilizando um
pesquisador financeiro, Allen determinou que a instituição vale cerca de US$ 2,8
bilhões, uma cifra que o porta-voz do grupo diz ser provavelmente correta. Metade das
despesas com a sede de Nova York foi paga com uma única doação, conta Brian Finnerty,
um dos porta-vozes da Opus Dei.

"A Opus Dei certamente é uma força em expansão nas questões da Igreja, e ela
provavelmente conta com um número desproporcional de cargos importantes, mas não se
devem criar mitos em torno deste fato", adverte Allen, autor do livro "Opus Dei: An
Objective Look Behind the Myths and Reality of the Most Controversial Force in the
Catholic Church" ("Opus Dei: Uma Olhada Objetiva por Trás dos Mitos e da Realidade da
Força mais Controvertida na Igreja Católica").

Porém, alguns ex-membros acusam a Opus Dei de se comportar como uma seita, com
técnicas agressivas de recrutamento e controle excessivo sobre as vidas dos seus
membros que optam por morar nos centros do grupo. Tammy DiNicola, que entrou para a
Opus Dei quando era aluna da Faculdade de Boston, e que saiu em 1990, após ficar dois
anos no grupo, diz que para atrair pessoas idealistas e muito espiritualizadas a
organização as engana.

"Eles não nos informam que não passaremos os feriados com a família, que a nossa
correspondência pode ser lida pelos líderes, que o nosso salário é entregue a eles, e
que não poderemos assistir a televisão ou ouvir rádio, e nem mesmo deixar as
instalações sem permissão", diz DiNicola, que ajudou a fundar a Rede de
Conscientização Quanto à Opus Dei, a fim de auxiliar os ex-membros.

Finnerty, o porta-voz da Opus Dei, disse que, ao contrário das acusações feitas por
alguns ex-integrantes do grupo, a independência e a liberdade individual são as
doutrinas centrais.

Dentre os membros da Opus Dei, 70%, como Lynn Frank e Silas Agbim, são pessoas
trabalhadoras, geralmente casadas, que moram nas suas próprias casas, um tipo de
afiliação conhecida como "supernumerário". Embora eles sigam uma agenda diária
rigorosa de orações e leituras espirituais, se confessem semanalmente e se reúnam com
um diretor espiritual, esses membros têm as suas próprias vidas e profissões.

Cerca de 20% são "numerários", que dedicaram as suas vidas inteiramente à
organização, fazendo um voto de celibato, e vivendo em um centro Opus Dei. Alguns
possuem empregos externos, mas muitos trabalham em tempo integral em instituições
afiliadas, como hospitais e escolas. E 10% são "associados", que são celibatários,
mas que vivem em suas próprias casas.

Grande parte da mística assustadora que cerca a Opus Dei deriva do fato de os
numerários praticarem a "mortificação corporal". Em "O Código da Vinci", Silas, o
monge assassino, chicoteia o próprio corpo até sangrar, e usa uma corrente de cravos
tão apertada em volta da cintura que provoca sangramento.

Na realidade, os numerários realmente usam um "cilice", uma corrente com pontas, sob
as calças, cerca de duas horas por dia. Uma vez por semana, eles chicoteiam as
próprias costas com uma pequena corda enquanto recitam uma oração. A Opus Dei afirma
que a mortificação corporal é uma antiga prática católica que promove a penitência e
a identificação com o sofrimento de Cristo.

DiNicola, a ex-integrante, diz que o uso do cilice é supostamente opcional, mas que
os membros numerários acabam se sentindo culpados se não o usarem. "Ele corta, e
deixa de fato pequenas marcas sangrentas", diz ela.

Apesar do tenebroso retrato do grupo em "O Código da Vinci", os líderes da Opus Dei
reconhecem que a atenção advinda do livro resultou em alguns benefícios. A Doubleday,
editora do livro, está prestes a lançar "The Way" ("O Caminho"), uma coletânea de
escritos espirituais do fundador da Opus Dei. Finnerty, o porta-voz do grupo, diz que
foi "O Código da Vinci" que abriu as possibilidades para o lançamento do novo livro.

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